Xamanismo Celta: Sabedoria Ancestral de Talamh e Spiorad
O povo celta, que se espalhou por vastas regiões da Europa antiga — da Irlanda e Escócia à Bretanha e Gália — carregava uma espiritualidade profundamente enraizada na natureza. Muito antes da chegada do cristianismo, os celtas desenvolviam práticas espirituais que, hoje, muitos identificam como formas antigas de xamanismo celta. Esta sabedoria era o elo entre Talamh (a Terra) e Spiorad (o Espírito), onde tudo que existe no mundo físico possui também uma alma, uma consciência ou energia sagrada.
O xamanismo celta e sua visão do mundo
O mundo celta era dividido em três níveis principais:
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An Saol Seo (Este Mundo) — O mundo visível dos humanos e da natureza.
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An Saol Eile (O Outro Mundo) — O mundo invisível dos deuses, ancestrais e espíritos.
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An tSíor (A Eternidade) — O fluxo eterno da vida, onde tudo retorna e renasce.
No coração do xamanismo celta está a percepção de que tudo na natureza é sagrado. As pedras, rios, árvores, animais, montanhas e ventos são habitados por espíritos e forças vivas. Ao se conectar com esses elementos, o xamã celta acessava as sabedorias antigas e as energias curativas que mantinham o equilíbrio entre o homem e o universo.
Talamh: A Mãe Terra viva
Talamh não era apenas o solo físico, mas a Grande Mãe, geradora de toda vida. Todas as práticas celtas começavam com reverência à terra:
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As árvores sagradas (especialmente o carvalho, o freixo e o teixo) eram portais para o mundo espiritual.
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As pedras erguidas (menires e cromlechs) marcavam locais de poder, onde as energias de Talamh fluíam mais fortemente.
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As fontes e rios eram considerados portais vivos, habitados por espíritos das águas.
Para o xamã celta, caminhar pela floresta era entrar em diálogo com a alma viva da Terra. Cada planta possuía propriedades medicinais e espirituais; cada animal era um mensageiro dos deuses.
Spiorad: O Espírito que habita tudo
Spiorad é a energia que permeia todos os mundos. No xamanismo celta, o xamã (ou draoi, o druida) aprendia a se comunicar com os espíritos dos ancestrais, dos elementos e dos animais guias. As jornadas espirituais, muitas vezes feitas através de:
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Cantos e hinos;
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Batidas de tambor;
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Meditação e transe;
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Viagens espirituais com o auxílio de plantas sagradas;
…levavam o praticante a entrar no An Saol Eile, onde podia receber ensinamentos, curar doenças espirituais e buscar orientação.
O conceito de espíritos familiares (semelhante aos fylgjur nórdicos) também existia. Animais como o corvo, o cervo, o javali e a águia acompanhavam o xamã em suas viagens ao Outro Mundo.
As práticas do xamanismo celta
O xamanismo celta não seguia livros ou dogmas rígidos. Era transmitido oralmente, através dos druidas e anciãos. Algumas de suas práticas centrais incluíam:
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A leitura dos presságios na natureza (augúrio) — observar o voo dos pássaros, o comportamento dos animais, as mudanças do vento.
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Os rituais sazonais — como Samhain, Imbolc, Beltane e Lughnasadh, que marcavam as passagens do ciclo da vida, morte e renascimento.
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As curas com ervas e banhos rituais — em rios sagrados ou fontes curativas.
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A invocação dos deuses e deusas — como Brigid, Cernunnos, Lugh, Dagda e Morrigan, que representavam forças naturais e aspectos espirituais.
O xamã era tanto curandeiro quanto conselheiro espiritual, conciliador de conflitos e, muitas vezes, o mediador entre os clãs e os deuses.
A roda do ano: o ciclo eterno de Talamh e Spiorad
O tempo para os celtas era cíclico. Não havia separação definitiva entre vida e morte, entre o visível e o invisível. As festas sagradas representavam pontos de transição nos portais entre mundos:
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Samhain (outubro) — O véu entre os mundos fica mais fino; contato com os ancestrais.
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Imbolc (fevereiro) — A luz retorna, renascimento e purificação.
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Beltane (maio) — Fogo da fertilidade e da união entre masculino e feminino divinos.
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Lughnasadh (agosto) — Gratidão pela colheita e reconhecimento da generosidade da Mãe Terra.
Nessas celebrações, o xamã conduzia rituais para restaurar a harmonia entre Talamh e Spiorad, entre os vivos e os mortos, garantindo que o fluxo da energia vital continuasse sem interrupção.
Animais de poder celtas
No xamanismo celta, cada animal possui uma energia única. Alguns dos mais reverenciados eram:
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Cervo — sabedoria, realeza e renovação espiritual.
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Javali — coragem, força guerreira e proteção.
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Corvo — profecia, morte e transformação.
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Salmon (salmão) — conhecimento antigo e inspiração divina.
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Lobo — lealdade, família e força interior.
Ao encontrar esses animais em sonhos ou visões, o xamã entendia que estava recebendo mensagens do Outro Mundo.
O declínio e a preservação da tradição
Com a chegada dos invasores romanos e, mais tarde, da cristianização das ilhas britânicas, o xamanismo celta foi sendo suprimido e suas práticas transformadas ou ocultadas. No entanto, muito do saber celta permaneceu vivo nas lendas, nos contos populares e na memória oral dos povos das terras altas e baixas da Europa.
Hoje, muitos buscam no xamanismo celta uma forma de reconexão com a natureza, com o espírito ancestral e com o sagrado que habita tudo. O equilíbrio entre Talamh (Terra) e Spiorad (Espírito) continua sendo o cerne dessa sabedoria antiga, oferecendo um caminho profundo de cura, respeito e harmonia com o mundo vivo.
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