Hár, Jafnhár e Þriði: Os Três Tronos de Odin e o Mistério do Gylfaginning
A mitologia nórdica, tal como registrada nas antigas Eddas, está repleta de camadas, símbolos e enigmas. Dentre os seus textos mais fascinantes, destaca-se o Gylfaginning, a primeira parte da Edda em Prosa, escrita por Snorri Sturluson no século XIII. É dentro desta obra que encontramos três figuras misteriosas: Hár, Jafnhár e Þriði — traduzidos como Alto, Tão-Alto e O Terceiro. Estes três personagens não são apenas narradores; eles são, na verdade, representações distintas de um único deus: Odin, o Pai de Todos.
Mas para compreender a profundidade desta tríade, precisamos mergulhar na cena central onde aparecem.
O Encontro de Gylfi com os Três Tronos
O rei Gylfi, desejoso de entender os deuses e seus segredos, viaja disfarçado até Asgard, apresentando-se como Gangleri (o viajante). Ali, diante de um grande salão com três tronos empilhados, ele encontra Hár sentado no primeiro, Jafnhár acima dele, e Þriði no trono mais elevado. Cada um deles responde sucessivamente às perguntas de Gylfi, revelando os mistérios da criação, da natureza dos deuses, da origem dos homens, das profecias do fim do mundo e de todo o funcionamento do cosmos nórdico.
Aqui não são apenas três deuses diferentes, mas três faces de Odin — cada uma representando um aspecto da divindade suprema.
HÁR — O ALTO: A SOBERANIA DE ODIN
Função e significado:
Hár representa a autoridade suprema de Odin sobre os Nove Mundos. Ele simboliza o rei absoluto, o governante celestial, o líder dos deuses Aesir e Vanir. Quando Hár fala, suas palavras ecoam como leis cósmicas. Ele é a face de Odin que detém o trono de Hlidskjalf, de onde observa todos os mundos. É o pai, o criador e o ordenador do universo.
Hár representa:
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A criação primordial: fala sobre o surgimento de Ymir, o gigante ancestral, e da formação do mundo.
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A autoridade máxima: aquele que rege o destino e comanda até as próprias Nornas.
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O detentor da visão suprema: aquele que sacrificou um olho no poço de Mímir para enxergar além do véu do tempo.
Quando Hár fala, ele representa o Odin rei, o Deus soberano, a cabeça visível do panteão nórdico.
JAFNHÁR — O TÃO-ALTO: O EQUILÍBRIO E A SABEDORIA
Função e significado:
Jafnhár expressa o aspecto conciliador, sábio e equilibrador de Odin. Ele representa a busca incessante pelo conhecimento, mas também a harmonia entre forças opostas: vida e morte, guerra e paz, destino e livre arbítrio.
Como o "igual ao alto", Jafnhár nos mostra que, mesmo acima de qualquer poder, existe ainda a necessidade de equilíbrio cósmico.
Jafnhár personifica:
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O Odin buscador: o peregrino que atravessa mundos, dialoga com gigantes e sábios, sempre sedento de novos segredos.
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O mantenedor do equilíbrio universal: entre os deuses Aesir e Vanir, entre homens e deuses, entre vida e morte.
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O mestre das runas e da magia seiðr: o lado místico de Odin, que domina o conhecimento arcano e as forças ocultas.
Quando Jafnhár responde, ele o faz com a profundidade daquele que vê todas as faces da realidade e ainda assim busca mais.
ÞRIÐI — O TERCEIRO: O MISTÉRIO E A TRANSFORMAÇÃO
Função e significado:
Þriði é o aspecto transformador e enigmático de Odin. Ele simboliza o desconhecido, o oculto, o que está além da compreensão humana. Representa o Odin xamânico, o deus que sacrifica, engana, transforma e atravessa o limiar entre os mundos — aquele que pende por nove noites na Yggdrasill, que aprende com os mortos, que caminha entre vivos e espíritos.
Þriði encarna:
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O Odin sacrificador: que entrega a si mesmo para obter as runas, pendurado na árvore cósmica.
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O andarilho entre os mundos: que viaja disfarçado entre homens e jotnar (gigantes), buscando novos mistérios.
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O senhor da morte e da transformação: que comanda os einherjar, acolhe as valquírias e governa o Valhalla.
Quando Þriði fala, ele dá voz ao mistério profundo, ao poder que habita o desconhecido. Ele é a força da transformação e do renascimento.
Por Que Três?
A escolha por três manifestações não é casual. Na tradição nórdica, o número três carrega um forte peso simbólico:
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Três níveis de realidade: Asgard, Midgard e Helheim.
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Três Nornas: Urd (passado), Verdandi (presente) e Skuld (futuro).
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Três raízes da Yggdrasill.
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Três filhos de Loki com destino trágico: Fenrir, Jörmungandr e Hel.
Assim, Odin apresenta-se de forma tripla para refletir essa mesma complexidade e totalidade. Hár, Jafnhár e Þriði são as faces visíveis do deus invisível: poder, sabedoria e mistério.
Grande Lição do Gylfaginning
O diálogo de Gylfi com Hár, Jafnhár e Þriði não é apenas um relato de mitos, mas uma jornada de aprendizado. Cada resposta revela uma camada do universo nórdico, convidando o leitor a refletir sobre a existência, o destino, o sacrifício e a busca pelo saber.
Odin, através de suas três faces, nos ensina que o conhecimento verdadeiro exige:
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Autoridade para enfrentar o desconhecido (Hár).
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Sabedoria para compreender a complexidade da existência (Jafnhár).
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Coragem para se transformar diante do mistério (Þriði).
A mitologia nórdica não oferece respostas fáceis, mas caminhos para a reflexão profunda. E nas vozes desses três tronos de Asgard, ecoa o chamado eterno de Odin: "Busque. Sacrifique. Transforme-se."
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